Planejamento Sucessório – Mitigador de Conflitos Familiares

Não é incomum o atendimento a famílias com conflitos familiares, resultantes de divergências sobre a divisão de bens deixados pelos pais, ou, pior, enquanto ainda vivos. Neste ponto, comuns as situações em que os filhos, ainda com os pais vivos e capazes, passam a tratar do patrimônio construído pelo casal como se deles já tivessem havido a propriedade.

No primeiro caso, geralmente, desemboca-se em batalhas judiciais, afastamento familiar e um grande desgaste emocional para os que ficam, notadamente, para o cônjuge sobrevivente, que passa a lidar com a situação sem o apoio daquele que se foi.

No segundo caso, em regra, verifica-se o início das dissensões entre os filhos, exercendo grande pressão sobre os pais, que passam a viver o começo do afastamento familiar e o prenúncio das batalhas que estão porvir.

A experiência também demonstra que os pais concorrem diretamente para a verificação de tais situações e poderiam, com a mudança do padrão mental e tomada de determinadas ações, mitigar o risco da instalação dos conflitos familiares.

Por padrão mental entenda-se a forma como os pais encaram a relação dos filhos entre si, quando envolve questões financeiras e patrimoniais. Existe uma dificuldade muito grande dos pais de enxergarem que, em grande parte das vezes, as relações entre os filhos tomam novos contornos, negativos, quando o assunto é a sucessão patrimonial. Se ouve muito “meus filhos são muito unidos, não terei problemas com este assunto”, mas, infelizmente, é exatamente este assunto que provoca a dissensão entre eles.

A tomada de determinadas ações é o planejamento sucessório em si. O processo requer várias etapas: (i) fazer uma análise da característica do patrimônio, com o levantamento de sua composição, como imóveis, participação em sociedades, ativos financeiros, etc.; (ii) analisar a vocação de cada um dos filhos, seus anseios, atividades profissionais desenvolvidas, processo que tem que contar com a participação dos mesmos; (iii) debater a forma de distribuição de patrimônio entre eles, embasando-se na combinação patrimônio x vocação, destinando para cada filho a parte do acervo patrimonial que melhor tenha identificação com a vocação do mesmo; (iv) estruturar o planejamento sucessório, que pode utilizar-se de vários instrumentos jurídicos.

Assim é que, exemplificadamente, existindo dois filhos e patrimônio composto de uma sociedade comercial e de imóveis, pode-se destinar a sociedade para aquele filho que já esteja envolvido na administração da sociedade e os imóveis para aquele que exerça uma atividade de profissional liberal, garantindo, assim, o afastamento deles em relação ao patrimônio e a mitigação da possiblidade do afastamento por conflito.

Os instrumentos jurídicos são vários, os quais podem ser adotados conjuntamente. Tem-se as sociedades patrimoniais, a doação, com ou sem antecipação de legítima, a estipulação de gravames quando antecipada a herança, o testamento, as previdências privadas e outros.

O importante é entender-se que não existe uma única forma. Cada família, com sua composição patrimonial e familiar, demanda uma solução sob medida. A solução de, unicamente, colocar todo o patrimônio em sociedades patrimoniais, ou de participações, e obrigar os filhos a serem sócios, certamente, não é a melhor opção, sendo uma forma de maximizar a possibilidade deles divergirem, afinal, se quando os sócios se escolhem, rompem a relação societária, imagine-se quando aos mesmos é imposta a relação societária.

Outrossim, ainda que se adote a forma societária, de forma exclusiva ou em conjunto com outros instrumentos, se deve contratar as regras de governança e, especialmente, de solução de conflitos e impasses.

Por fim, não se pode perder de vista, sendo uma solução de distribuição em vida do patrimônio, que se garanta aos pais, enquanto vivos, a possibilidade de usar e gozar daquilo que construirão, exercendo, assim, determinado controle sobre o patrimônio transferido.

As linhas ora escritas não esgotam o tema e servem, somente, como provocação sobre um tema corriqueiro e que demanda a atenção devida por aqueles pais que desejam contribuir para a manutenção da boa relação entre os filhos, mitigando o risco dos conflitos familiares.

*Abílio Marques é advogado, sócio do Humildes, Pinheiro, Caribé, Marques, Carneiro e Vaz Porto Advogados